No processo penal, Juiz pergunta por último!
- Lívia Dalla Bernardina
- 17 de nov. de 2017
- 2 min de leitura
Em meados de 2008, o Código de Processo Penal - CPP sofrera uma série de modificações que implicaram uma "virada de chave" na matriz ideológica dessa legislação da década de 40, visando modernizar o sistema para adoção (formal, pelo menos) do princípio acusatório.
Uma delas foi a inovação (09 de anos de lá para cá) prevista no art. 212 do CPP. Trocando as palavras, em audiência de instrução e julgamento, as partes inquirem diretamente as testemunhas e, ao final, para esclarecimentos, o Juiz, na ordem e conforme previsão do art. 400 do CPP.
Curiosamente, depois de quase uma década da alteração promovida, é extremamente comum a manutenção da lógica legal anterior: Juiz começa o questionamento e, se houver alguma dúvida, termina a inquirição após as partes. E ao aconselhar e explicar o procedimento para clientes, também é de praxe a colocação de "na audiência, esse Juiz, dessa Vara começa a perguntar, embora a lei fale o contrário" - aqui entra um pouco a necessidade de análise sob a ótica da teoria dos jogos.
De toda sorte, num primeiro momento isso pode gerar a sensação de indiferença. Tanto faz quem começa a perguntar! Na verdade não é assim que funciona. Dentro da ótica de um processo penal democrático/constitucional, Juiz não pode assumir papel ativo na produção probatória. Quando o faz, se contamina com aquilo que pretende obter, justamente para justificar a decisão que já tomou antes mesmo de saber o resultado.
Portanto, quando o Juiz assume a posição de iniciar inquirição das testemunhas, retrata a cultura brasileira de um sistema inquisitorial, em que o Estado-Acusador também é o mesmo Estado-Juiz, assumindo protagonismo no processo penal que não lhe cabe, ferindo a imparcialidade que integra a estrutura jurídica básica de todo ordenamento jurídico que respeite os direitos humanos.
E mesmo após 09 anos de vigência do "novo" art. 212 do CPP, os Tribunais decidem que a inversão da ordem de perguntas não gera prejuízo para a parte, notadamente do acusado, de modo que não justificaria o reconhecimento da nulidade pela ótica da teoria de nulidades no processo penal (sem prejuízo, sem sanção) - v. HC 114789/SP, STF.
Curiosamente, no dia 14 de novembro de 2017, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 111815/SP, reconheceu que a inversão da ordem não é admissível, determinando-se que fosse realizada nova audiência para reinquirição das testemunhas, conforme regra estipulada no art. 212, caput e parágrafo único, do CPP.
Só resta saber se a decisão de uma Turma do Supremo Tribunal Federal é capaz de alterar um costume judicial, já que a legislação processual penal não obteve esse êxito.
P.S: Artigo do Prof. Aury Lopes Jr sobre o assunto: https://www.conjur.com.br/2017-nov-17/limite-penal-finalmente-cumprirao-artigo212-cpp
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