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Orgânicos: comercialização proibida nos mercados e supermercados?

  • Lívia Dalla Bernardina
  • 17 de jul. de 2018
  • 4 min de leitura

Fonte: Dreamstime.com ID 29428911

No dia 02/07/2018 foi divulgada a aprovação do Projeto de Lei nº 4.576/2016 pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados[1]. O projeto, de autoria do Deputado Edinho Bez, dispõe sobre a comercialização direta de produtos orgânicos aos consumidores.


A proposta formulada visa a inclusão do art. 3ª-A e parágrafo único ao art. 6ª da Lei nº 10.831/2003, que trata da agricultura orgânica. Segundo consta do relatório elaborado pela comissão, a comercialização direta de produtos orgânicos deverá ser realizada exclusivamente por agricultores familiares inseridos em processos próprios de organização e controle social, previamente cadastrados junto ao órgão competente, e será facultativa a certificação do produto, mediante condicionantes. Além disso, a comercialização poderá ser feita em propriedade particular ou em feiras livres ou permanentes, mediante fiscalização.


Se a opção do legislador foi realmente esta, há algumas críticas que devem ser feitas com relação ao texto da lei. A primeira delas é que, conforme consta do caput do art. 3º-A, sugerido no projeto, o dispositivo regula exclusivamente da comercialização direta de produtos orgânicos, ou seja, aquela realizada diretamente entre o produtor e o consumidor, de modo que parece excluir de seu alcance de vinculação aquelas vendas com intermediários – como é o caso de mercados e supermercados.


Além disso, o inciso I, que versa que a comercialização será exclusiva de agricultores familiares, é só um, dos quatro incisos do art. 3º-A. E, no inciso II, permite-se a venda, facultativamente, sem certificação, “desde que seja assegurada aos consumidores e ao órgão fiscalizador a rastreabilidade do produto e o livre acesso aos locais de produção ou processamento”.  Os incisos III e IV dizem ainda que a comercialização direta se realizará em propriedade particular ou em feiras instaladas em espaços públicos, e mediante fiscalização sistemática.


Deste modo, não nos parece, mesmo que o projeto seja aprovado e se torne uma lei, que haja a possibilidade de o Poder Público restringir a comercialização de produtos orgânicos em estabelecimentos comerciais[3].


Como se não bastasse, conforme constam das justificativas apresentadas ao projeto de lei, referida regulamentação teve origem justamente no fato de que o maior valor de mercado dos orgânicos vem atraindo “comerciantes desonestos às feiras especializadas”, o que foi verificado porque “reportagens levadas ao ar em janeiro de 2016 pela Rede Brasil Sul e Rede Globo de televisão mostraram feirantes desonestos flagrados em Santa Catarina e em outros Estados brasileiros adquirindo frutas e hortaliças produzidas de forma convencional para depois vendê-las como ‘orgânicas’”.


Vale, ainda, lembrar, que o Decreto nº 6.323/2007, que dispõe sobre a agricultura orgânica, já estabelece uma série de normas e exigências que devem ser seguidas para a comercialização de produtos orgânicos no mercado interno, tais como a obrigação de manter os produtos orgânicos separados dos não orgânicos, o dever de trazer a identificação do produtor no espaço de exposição, dentre outros.


Assim, além de ineficaz para o fim ao qual se propõe – o de evitar fraudes –, eventual tentativa de proibir a venda de produtos orgânicos em mercados e supermercados seria medida completamente descabida e desproporcional, em patente violação à ordem econômica e a livre iniciativa, valores constitucionalmente tutelados. Primeiro, porque o problema foi identificado justamente nas feiras de rua, o que demonstra que o problema é de ordem prática, e não jurídica: falta fiscalização, e isso é, inclusive, mais difícil nas ruas do que nos estabelecimentos. E, segundo, porque a solução adotada fere o princípio da proporcionalidade em sentido estrito (também chamada de “razoabilidade” pelo STF), na medida em que, visando tutelar um valor protegido pelo sistema, acaba por causar um dano indesejável em outro princípio também resguardado pela ordem jurídica.


Por oportuno, calha registrar a crítica a uma prática comum dentre os legisladores: a de editar projetos de lei com base em reportagens televisivas pescadas ao acaso e outras informações levianas, sem a preocupação de realizar estudos prévios e análise dos eventuais impactos – positivos e negativos – de suas propostas.



NOTAS DE RODAPÉ


[1] Se quiser entender mais do processo legislativo, vale a leitura: http://www.politize.com.br/comissoes-parlamentares/

[2] “Art. 3º-A. A comercialização direta de produtos orgânicos aos consumidores se realizará: I – exclusivamente por agricultores familiares inseridos em processos próprios de organização e controle social, previamente cadastrados junto a órgão da Administração Pública Federal responsável pelos assuntos concernentes à produção agropecuária; II – facultativamente, sem a certificação de que trata o art. 3º desta Lei, desde que seja assegurada aos consumidores e ao órgão fiscalizador a rastreabilidade do produto e o livre acesso aos locais de produção ou processamento; III – em propriedade particular ou em feiras livres ou permanentes, instaladas em espaços públicos; IV – mediante fiscalização sistemática, na forma do regulamento desta Lei. § 1º Os agricultores familiares a que se refere o inciso I do caput deste artigo poderão comercializar a produção própria e a de outros produtores orgânicos que 2 atendam a todas as condições estabelecidas neste artigo, além de produtos orgânicos certificados nos termos do art. 3º desta Lei. § 2º Para os efeitos desta Lei, entende-se por feira livre a atividade mercantil de caráter cíclico realizada em instalações provisórias e removíveis e, por feira permanente, aquela de caráter constante realizada em instalações comerciais fixas e edificadas; mediante autorização, regulamentação e fiscalização por órgão competente da Administração Pública.”

[3] Corroborando nosso entendimento o Senado Federal veiculou este vídeo em seu canal no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=cRpEtPppshw.



REFERÊNCIAS


- Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8078.htm

- Relatório da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1652069&filename=Parecer-CAPADR-16-04-2018

 
 
 

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